quarta-feira, março 21, 2012

Subindo a Serra.

Não foi difícil achar a pousada, apesar de eu apenas saber que se tratava da "pousada da mãe do raimundo"; bem que isso não é lá tão genérico como uma cidadezinha como Meruoca. Uma pousada simples, porém grande: três andares de corredores longos com quartos espalhados sempre à direita. Gostaria de ter ficado com um dos apartamentos da frente, varanda, vista para o mato do outro da rua, mas estavam ocupados e pedi um com janela, já que à medida que o gordinho me guiava pelos corredores tudo que eu via eram quartos pequenos e fechados, sem janelas e uma janela é essencial: um homem deve poder ver o céu de onde ele descansa, assim como deve haver uma saída de ar para a fumaça do mafú se mandar e não impregnar o prédio mais tarde. Claro, a segunda razão é que me movia.

Fui levado para o quarto 7, no terceiro andar. Duas camas, uma tv, um ventilador velho e uma janelinha no outro extremo do quarto, de frente para a porta. O tempo lá fora estava fechando. Assim que fechei a porta atrás de mim, a chuva começou a cair forte lá fora e sozinho naquele quarto senti uma melancolia se esgueirando de cada canto, dos espaços entre os azulejos no chão, das manchas velhas na mesinha, na cor creme da porta, nas toalha áspera sobre a cama, tudo era deprimente. Quando eu era criança uma amiga da minha mãe disse que nunca tinha visto uma criança com um olhar tão triste. Acho que isso foi uma espécie de quebrante, como se ela tivesse colocado uma antena em mim para captar essas vibes. Tenti não dar bola e fui tomar um banho.

Esperava deixar a porta aberta para poder ouvir som enquanto tomava banho, mas não era possível sentar no vaso e manter a porta aberta, problemas espaciais. Foi ai que percebi que a minha escolha de almoço mais cedo não fora muito acertada. Devia ter ido pro bar da frente da rodoviária, mas os gritos de uma mulher bêbada com uns caras barrigudos, barbudos e sujos que estavam lá sentados me fez questionar a qualidade da comida do local. Enfim, agora já era, tinha que enfrentar as pontadas na barriga. Terminado o serviço sujo, hora de lavar o corpo. Box minúsculo, com um chuveiro cheio de fios enrolados com fita isolante. Só conseguia pensar nos chuveiros de guaramiranga e meu medo de morrer eletrocutado por causa dessas porras. Na minha lista de mortes estúpidas, morrer eletrocutado por um chuveiro elétrico está lá em cima. Nem tentei mexer, apenas liguei a água e ela começou a cair, fraca e morna a princípio, um fluxo quase gotejante e foi ficando mais quente e quente, e porra, tava quente demais e eu muito receioso pra encostar naquele chuveiro e mudar pra água fria; entrava e saía debaixo da água e cada vez não era suficiente pra me molhar e me ensaboar e fiquei nessa merda de joguinho tempo o suficiente pra perceber que esse banho não ia dar certo. Estiquei a mão e mudei a chave, ainda achando que poderia ser o último movimento da minha vida. Tantas coisas a serem feitas, tantas coisas a serem ditas e eu morto, nu, debaixo de um chuveiro em um banheiro minúsculo na Meruoca.

Bem, não foi assim, a água esfriou e terminei meu banho e sentei na frente dessa tela para passar o tempo. Acho que devo comprar umas cervejas pra mais tarde. Sim, sim, farei isso.


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