segunda-feira, setembro 03, 2012

A resposta está nos outros.

Um dia inteiro de filas e espera. O cansaço estava marcado sob meus olhos, bolsas escuras e marcadas,  aparentes o suficiente pra ouvir um "olha a cara dele, tu acha?" das alunas que conversavam entre si. Sentar, falar, corrigir, tomar água, falar mais, tomar café, falar, falar, repetir, explicar, mais água, levantar, se despedir e ir embora. Subo no meu alazão de ferro e me mando, sendo surrado pelo sol, pelos carros que parecem me odiar e pelos motoqueiros otários que tentam se fuder e me levar junto ao se esgueirarem entre espaços impossíveis. 

Vou indo, sigo meu caminho para o detran, tentar me livrar de problemas futuros, tive sorte, era só entrar e sair, e é isso que faço e logo depois estou acelerando e sentindo o vento na cara e o suor dentro do capacete, pensando, a cabeça zunindo como o motor, processando, digerindo informações recentes e me dando conta o quão elas realmente me machucaram e tentando pesar os danos. Tento esquecer, acelero mais, os números no painel digital parecem loucos e se embaralham em formas sem sentido e me concentro para não me espatifar no próximo poste, esqueço o que me incomoda por leves segundos enquanto diminuo a velocidade e sinto a moto tremer de inconformidade pela diminuição da rotação para eu me manter na curva, respiro e penso que as coisas não precisam ser pesadas assim; me tiro de tais especulações e penso no melhor caminho para chegar até a Fundação, decido pela velha 13 maio, conheço bem, desço o viaduto com o impulso da ladeira e quase encontro meu fim na traseira de um pálio, puxo pro lado, desvio, acelero novamente e estou outra vez a salvo indo embora entre os carros.

Chego na fundação, pego o cheque me levará para Aracati e entro no banco e espero ser atendido e por uma hora eu sento e penso, esqueci de por um livro na mochila, os jogos do celular já não são tão interessante, sou obrigado a permanecer apenas comigo e nessa hora tudo vem, penso e vejo como me sinto e percebo que ainda não reajo tão bem a certas coisas, detalhes ainda me incomodam, doem e sinto que a ferida ta aqui, sim, intimidade perdida (ou compartilhada? não importa, não era mais eu); saber que outro teve acesso a algo que supostamente era seu, momento que você julgara que eram seus e mesmo sendo banal, uma noite qualquer sem maiores envolvimentos, mas ainda sim uma noite, um momento íntimo compartilhado e aquilo me incomoda, ali, eu de novo, pensando,  tento não dar atenção, paro de encarar o painel das senhas, perco meu olhar na parede e apenas escuto os  bipes, me concentro neles para esquecer o que na minha cabeça quer me massacrar, 1, 2, 3,...7...9, 10, 11, 12 e mais vezes e continuo sem olhar pro painel, faltavam mais de dez números para eu ser atendido e continuo tentando esquecer tudo, até a dor nas costas que volta, olho pro painel e ainda falta muito para minha vez e me vejo de novo pensando, e quando mais penso sobre, pior me sinto.

Saio da porra do banco depois de tentar fazer uma reclamação, mas até pra reclamar você tem que esperar e penso foda-se essa merda, vou embora, e vou embora, agora em direção à rodoviária e a essa altura meu corpo reclama, dói, e a cabeça lateja, os olhos caem como resultado do peso que sinto por dentro e, de novo, tento não pensar, não, não pense, apenas se movimente e isso que faço, encaro mais uma fila, um cara com a cara arrebentada passar por mim, um rosto que é mistura de sangue seco, esparadrapos e carne inchada, ele tenta cobrir com a camisa e sinto uma tremenda curiosidade de perguntar como ele conseguiu aquilo, mas não é da minha conta e continuo na fila, o sol das 4 consegue achar caminho pelo teto até meus olhos, me cegando e  espero, respiro, não reclamo, tento esquecer e não me importar e apenas fico lá, em pé, tentando não pensar. Compro a passagem, só de ida, queria as duas, saio de lá feliz por que agora é só ir pra casa e vou pra casa, ainda na mesma, remoendo e processando, pelo menos o trânsito escroto me faz esquecer do que há por dentro e quando entro na minha rua, de longe, vejo algo no meio da pista, algo muito grande pra ser uma bicicleta e com certeza não era uma cama com rodas como parecia, chego mais perto e vejo um senhor de idade com as pernas atrofiadas, maltrapilho e com  aspecto de beberrão - mas quem pode dizer que ele devia fazer diferente? - parado bem no meio da rua esburacada com as mãos tentando mover as rodas ao seu lado.

Paro a modo do seu lado, pergunto se ele precisa de ajuda e seu sorriso não hesita em me dizer sim, desço da moto, paro ela na calçada e vou empurrando sua cadeira velha e quebrada devagar pra evitar que os buracos o chacoalhem quarteirão abaixo e o empurro até a estação, a cadeira é baixa demais, me curvo, as costas doem de novo mas não me importo; Caucaia é seu destino, pergunto se ele está só, ele diz que sim, viera buscar um dinheiro e continuo perguntando besteira, apenas para puxar conversa, "mas o senhor anda sozinho, não é ruim andar nessas ruas?" e ele me olha e sorri novamente sob aquele rosto enrugado e cansado, os olhos já esbranquiçados e me diz "É, essa vida não é fácil não".  Apenas sorrio de volta, pensando que ele tem toda a razão.




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