quinta-feira, abril 28, 2011

Beijos Indigestos.

Já tinha perdido a conta de quantos copos de vinho e doses de cachaça já tinha entornado e agora vagava pela festa como um joão-bobo zumbi, cambaleante, torto, o pescoço um pouco inclinado como que para dar equilíbrio aos movimentos. Ia constante, sorrindo pelo canto da boca suja entre risadinhas zombeteiras e tiques de lígua e lábio, procurando menininhas na mesma situação ou alguma que não se importasse com seu estado e tentasse ver ele mais um pouquinho além, mesmo ele próprio sem ter certeza se havia algo ali pra ser visto.

Ela estava lá, corpo curvado pra frente, uma mão apoiada na coluna de concreto e o outro braço solto, pendendo como algo morto. Vomitava aos jorros e o corpo esguio sacudia com os solavancos peristálticos para ejacular todo aquele álcool ingerido. Baba caia dos lábios. Gotejava em linhas finas de saliva que se esticavam o máximo que podiam até arrebentar ou se juntar aos cabelos que também pendiam. Entre uma golfada e outra, balaçavam à medida que ela mexia de leve a cabeça negativamente com um olhar semi-aberto vidrado no chão, como quem pensa "nunca mais faço essas merdas".



(continua...)
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segunda-feira, abril 11, 2011

O quarto de dentro.

O caminho de volta é sempre o mesmo. As mesmas esquinas, paradas, bares, tipos e o mesmo movimento louco que movimenta o tráfego dos dias. Me esgueiro entre os carros com a mesma displicência que me esgueiro pelas horas, sem mais olhadelas furtivas, claro, não há mais lugar para elas, não mais fazem sentido. Desconfio que uma mistura instável de sorte e técnica me impede de esborrachar o corpo no asfalto e dia a dia sigo o rumo. Sempre o mesmo.

Já em casa, o gato me recepciona do seu jeito de gato, afinal, ele é um e repito o que pra mim pode ser divertido e pra ele uma tortura. O coloco no braço e travo uma conversa sem nexo com o bichano. Miados pra lá. Só pra lá, ele se recusa a miar de volta, apenas me olha e baixa os olhos uma vez ou outra enquanto acaracio sua cabeça. Largado no chão, ele segue meus passos até meu quarto, passeia pelas minhas pernas, desfia a cama e se manda. Olho ao redor e sinto algo que poderia vir a ser uma leve naúsea espacial. Não há espaços vazios. Em cada canto há algo que não deveria estar lá e esse padrão vai se repetindo por todo lado, acumulando-se, objetos sobre objetos, uma interminável repetição, empilhada, coisa após coisa, até culminar na minha saída. Não consigo passar muito tempo lá. "isso merce uma certa arrumação" penso enquanto pergunto à Cara de rato se ela tem algum mafú. Velho, esquentado na frigideira, mas tem. E lá vou eu escadas acima.

Observo as formas brancas que dançam na minha mão, entre meus dedos, acima dela e atráves da deformidade etérea a qual elas se entregam. Não penso em nada, a mente solta e presa ali; e calmamente vou ficando menos tenso, sentindo a lentidão do leve frio ao redor me acolher.


E decido vir aqui, sim, aqui, o meu velho blog que não tenho dado atenção nenhuma nos últimos tempos e vejo a porta de entrada que ignoro.

Interiores, sim, interiores. Melhor começar pelo quarto.
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